O país asiático retomou importações após caso atípico de vaca louca. O Brasil lidera as exportações mundiais, mas precisa evitar protocolos e barreiras discriminatórias
Em 2017, o Brasil tornou-se o maior exportador de carne bovina do mundo, superando os Estados Unidos, a Austrália e a Índia. Em 2022, exportamos quase 3 milhões de toneladas, com uma receita de US$ 13 bilhões, atingindo cerca de 160 países (Abiec, 2023).
Esse resultado se deve em grande parte ao crescimento do consumo da China. Em 2018, uma crise de Peste Suína Africana (PSA) dizimou 40% do rebanho de suínos daquele país, abrindo espaço para outras carnes, mas o país já conseguiu se recuperar da crise, de forma surpreendente. Nas carnes suína e avícola, a China tem conseguido níveis de autossuficiência superiores a 94% do consumo doméstico. Contudo, na carne bovina, ela depende de importações, que chegam a 30% do seu consumo doméstico, o que levou o país à posição de maior importador mundial dessa proteína: 3,6 milhões de toneladas em equivalente-carcaça, o que representa 2,3 vezes o valor importado pelo segundo maior importador, os Estados Unidos (gráfico 1).
O potencial da carne bovina na China é enorme, uma vez que o consumo per capita se situa na faixa de 4 kg/hab/ano, ante 25 kg/hab no Brasil, considerando apenas o abate fiscalizado. Cada 1 kg de carne adicional no consumo de carne bovina de cada chinês equivale a 1,5 milhão de toneladas, ou metade da exportação brasileira atual, sendo que um terço desse volume virá necessariamente de importações. Assim como ocorre na soja, as relações Brasil-China na carne bovina são marcadas por uma forte dependência bilateral: a China responde por 55% das nossas exportações, mas o Brasil responde por quase 40% das importações chinesas.
Além da China, outros mercados importantes estão crescendo no mundo. Com restrições domésticas na produção e abate, os Estados Unidos já são hoje importadores líquidos de carne bovina e segundo maior destino da carne brasileira. Outro país que vem aumentando as suas importações do Brasil é a Indonésia, quarto país mais populoso do mundo, com um consumo per capita em torno de apenas 2,2 kg/hab/ano.
Na semana passada, o México finalmente abriu o seu mercado para o Brasil. Trata-se de um país que importa 165 mil toneladas por ano. A abertura do México consolida o acesso das exportações da carne bovina brasileira na América do Norte, permitindo ao Brasil usufruir do bloco de 500 milhões de habitantes formado por Estados Unidos, Canadá e México (hoje conhecido como USMCA). A União Europeia e os países islâmicos completam nossos mercados consolidados.
Ocorre que, pelo lado da oferta, as exportações mundiais de carne bovina estão concentradas em um número reduzido de países. Brasil, Estados Unidos, Austrália, Índia e os nossos parceiros do Mercosul respondem por 75% do mercado mundial (gráfico 2). Mas o Brasil é, de longe, o país que tem maior potencial de ampliação da oferta, graças ao forte aumento da produtividade do gado e das pastagens. A integração lavoura-pecuária e a melhoria do pacote tecnológico dedicado às pastagens vêm provocando uma rápida modernização da pecuária brasileira, graças ao crescimento das áreas manejadas com correção e fertilização de solos, melhoria nos programas de nutrição e sanidade e uso de cruzamentos de raças zebuínas e europeias. Ao mesmo tempo, as exigências em termos de menor idade de abate dos animais (máximo de 30 meses no caso da China) estão levando a uma intensificação sem precedentes da pecuária de corte brasileira.
O fato é que nossos concorrentes patinam nas exportações: crise climáticas e elevado abate de fêmeas na Austrália e nos Estados Unidos, que também sofrem com problemas relacionados com o fechamento de frigoríficos e a falta de trabalhadores migrantes. Já a Índia exporta basicamente carne de búfalo, de menor qualidade.
É neste contexto que surgiu o novo caso atípico da doença de Encefalopatia Espongiforme Bovina (EEB) no Brasil. Foram seis até hoje, todos atípicos, dessa vez em um bovino macho de nove anos criado a pasto no Pará, sem consumo de rações elaboradas com uso de resíduos do abate de animais, portanto, com risco zero de contaminação. Ao contrário de 2021, ocasião em que o fechamento do mercado durou quase quatro meses, dessa vez a reabertura da China foi rápida, puxada pela missão do governo brasileiro àquele país. O real problema é que há um protocolo bilateral Brasil-China que dá poder discricionário à China, ao exigir comunicação imediata e autoembargo das exportações em caso de ocorrência da doença mesmo em casos atípicos (sem riscos) até a conclusão sobre a origem da inexistência da doença.
Além do autoembargo relacionado ao risco de EEB, nossos maiores empecilhos às exportações de carne bovina estão relacionados com processos morosos de habilitação de plantas industriais em diversos países e restrições em relação ao status do Brasil como país livre de febre aftosa “com vacinação”. Por exemplo, não conseguimos acessar os mercados do Japão e da Coreia do Sul, respectivamente 3º e 4º países maiores importadores mundiais, por causa dessa restrição sem sentido, que penaliza o Brasil, mas não nossos concorrentes Argentina e Uruguai.
Mas é fundamental avançar nos acordos internacionais e nos protocolos bilaterais que ainda restringem as nossas exportações em casos de EEB atípica. É necessário ainda remover os empecilhos relacionados ao status de livre de febre aftosa com vacinação que nos fecha o mercado de forma abusiva, à morosidade dos processos de habilitação de plantas e à incidência de tarifas elevadas e quotas de importação, bem como pôr fim a outras medidas protecionistas discriminatórias em diversas latitudes do mundo.
A nossa sorte é que o mundo precisa desesperadamente de mais proteína!
AUTORES: Marcos Sawaya Jank; Maurício Palma Nogueira; Fernanda Kesrouani Lemos; Danilo Keitaro Suda Mazakina.
Fonte: INSPER AGRO GLOBAL: este texto foi originalmente publicado no site Poder360, em 5 de abril de 2023
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